6 de outubro de 2010

O amanhecer esqueceu-se de despertar hoje


Mudou a estação e agora, em vez dos vaporosos lençóis azuis, aninha-se numa suave manta cinzenta enquanto é embalado pelos contos da voz fresca da noite, que se alongam e deixam esquecer que o dia está a chegar.

Ficou assim na penumbra, ao abrigo do vento orvalhado que por estes dias vai deslizando sobre a madrugada. E no escuro, os sons fluem ao mesmo ritmo que a neblina, esse indolente urso branco que se passeia discretamente por entre as árvores, ao longo dos becos, do outro lado da vidraça da janela.

Um pingo solitário escorrega do algeroz e parte-se no mármore da janela.
A cadela solta o bocejo preguiçoso, o protesto pacífico contra mais um dia ocioso.
Os primeiros carros da manhã ecoam a conta-gotas na estrada ao fundo.
Prenúncios do acordar do dia que o amanhecer decide ignorar.

Aconchegado, sorve cada um desses sons com o mesmo prazer que sente, em tantos outros dias, com a entrada do Sol em palco. Hoje, porém, será diferente. Não sai à rua. Não despe sequer a mantinha cor de nuvem de chuva. O astro-rei cede o protagonismo e deixa reinar as cores e aos sons do orvalho da madrugada.

Regressam assim as manhãs e os tons do Outono…

4 comentários:

  1. Incrivelmente belo. Só tu para relatar assim o Outono, de forma tão doce e sentida. Adorei.

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  2. Eis um despertar mágico.

    De repente, pareceu-me ouvir uns acordes da «Pastoral» do Beethoven.

    Bela narrativa, Anna

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  3. Obrigada Andy!

    Menino do Mar, foi assim que o senti chegar até mim... Doce será a palavra, sim...
    Obrigada!

    JPD, magia?
    A Pastoral? Quem sabe uma inspiração inconsciente... A consciente foi definitivamente a névoa que esconde a minha terra todas as manhãs no Outono...

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