30 de dezembro de 2010

Estradas de papel

Ao avô António, 
pela estranha saudade.
Ao avô João,
pelo desejo de melhoras rápidas.  

Diziam alguns que ele era um homem de poucas palavras. No entanto, pecava por ingenuidade aquele que pensasse que ficava alguma coisa por dizer. Falava com o olhar, com as mãos. Dizia meia palavra e aqueles que o amavam e compreendiam entendiam a mensagem.

Não se fala muito dele, como se verbalizar agudizasse a dor pela sua ausência. Não importa. Vou-me encontrado com ele nas pistas que deixou pelo caminho.

Encontro-o nas páginas dos livros que deixou arrumados na estante antes de partir, faltavam ainda alguns dias para eu vir ao mundo, há 27 anos atrás. Palavras escritas a carvão, sumidas porque se foram fundindo com o amarelecimento do tempo. Sublinhados, traços, palavras breves, reflexões e referências, tudo desenhado numa caligrafia lenta e estudada de menino de escola.

Era um homem do campo, mas fazia das viagens em tapetes de páginas voadoras a sua fuga dilecta, à luz ténue de uma candeia de azeite. Não se fechava naquele vasto mas ocluso mundo de terras e vinhedos protegidos pelas muralhas do vale. Não. Voava além destas e crescia, crescia…

E enquanto releio as suas anotações, nestes livros velhos mas imortais e sábios, percorro as mesmas estradas de papel que ele e, juro, se fechar os olhos, sinto a sua mão na minha, sinto que caminho lado-a-lado com ele...






Para o desafio de Dezembro,
com o tema Objectos, pessoas, sítios e acontecimentos.


Imagem: 
Old books, por David Reneses



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