10 de agosto de 2010

A língua das ondas

Correntes inconstantes e dúplices.
Correntes que se aproximam com ternura e nos beijam a pele.
Correntes duras que impelem contra mim e deixam arranhões.
Dança sem regras.

Balanço neste jogo dual,
sem controlo sobre si nem palavra a invocar.
O corpo não me pertence já.
É delas e nas suas mãos vai vogando
num rumo que não decido nem entendo.
E com o fluir dessa dança já não sou eu
mas um espectro de mim
que observo do areal.

Grito, mas não falo a língua das ondas.
Ver-me ondeando naquele pêndulo descompassado traz a tontura.
A tontura da fuga.
Desvio o olhar e giro sobre o eixo do meu ser.
Avanço no areal molhado pela maré.
Passadas pesadas adquirem subitamente uma ligeireza improvável.
A ligeireza da fuga.

No caminho, os rostos são vultos,
as vozes são ecos,
as palavras são sons.
A essência perdeu-se algures e ficaram apenas as formas.
O que ficou atrás?
Não sei, não posso olhar.
Se o fizer, serão estátuas de sal.
A deixar o rasto efémero na areia,
já não os pés, mas sim a mente.

Mais depressa.
Mais fundo na areia.
A brisa tímida do mar parece ganhar vigor
à medida que a velocidade aumenta.
Mais depressa.
Como se assim lhe aumentasse a força
e a ungisse com o dom de sacudir este sal em pó
que me secou à flor da pele.
Mais depressa.
Como se o fôlego não faltasse nunca
e se não houvesse paragem possível.
Como se o mundo fosse uma linha infinita
e não um círculo em que fim e início se reencontram sempre.
Mais…
Mas o fôlego cessa.
O ar cessa.

Gradualmente, tacteiam novamente a areia os pés
e o frio da água volta a chegar às veias
Na bússola do eixo de mim, o caminho é para o mar.
Entro, afundo novamente no ondear das correntes.
Espectro e corpo voltam a ser um só
ambos rendidos ao pêndulo indeclinável…

1 comentário: