Neste vai e vem, a vertigem leva-me.
Olho para baixo, para aquele instável chão de água e já não vejo mais nada. Não sei onde estou nem sinto já o chão debaixo dos meus pés. Sinto-me cair, sem rumo, sem corda, sem rede lá em baixo. Sinto as ondas de vento que me arrepiam a pele… ou serei eu que vou rasgando o seu tecido invisível ao longo da queda? Subitamente, começa a parecer-me tão sólido e seguro aquele mar azul turvo que, sei-o bem, é tão movediço como os lendários areais armadilhados que engolem todos os que apanham…
Nesta descida a pique, a velocidade aumenta e, estranhamente, o destino parece cada vez mais longínquo.
Vou sentindo no corpo o toque das memórias de dias de amor e sorrisos, os beijos daquele amante secreto, nunca esquecido, mas há muito ido para bem longe. Vou revendo as manchas deixadas pelo Sol daqueles dias irreflectidos em que as horas eram meros compassos dentro duma insignificante máquina e que nenhum poder tinham fora dela. Vou revisitando os arranhões do gato preto e branco, desse misterioso ser, tanto arisco como doce e apaixonado. Vou recordando o toque fresco do campo de trigo ainda verde nas minhas pernas, nesses dias em que corria descalça e acreditava que nunca me cansaria.
A descida acelera, irreversível agora, e o azul escurece, mais e mais…
De repente, tudo pára.
Imobilizada a imagem, abro os olhos, aponto-os novamente em direcção ao fundo do precipício e lentamente vou subindo até chegar ao horizonte, aquela linha ténue que separa os dois azuis. Estou ainda tão longe de alcançar esse horizonte…
Respiro fundo, deixo que o ar frio e salgado entre em mim por instantes e viro as costas ao abismo.
Não, o final não é, ainda, para hoje.
~ ~ ~ ~
Para o desafio de Abril,
subordinado ao tema Abismo
Foto minha
Praia do Vau,
11 de Abril de 2010
É o que dá escolher locais bonitos para morrer :)
ResponderEliminarBela forma de "quase morrer"!:D
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