Atrás de nós fica o adormecer desta tarde quente.
Ainda sinto na boca o sabor do doce de leite que insististe que provasse, como se de um segredo precioso se tratasse.
Doce.
Na tua boca, vivem ainda as notas de aroma daquele vinho cor de sangue.
Quente.
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Amantes secretos, escondemos atrás desse ar formal a paixão que nos arde nas entranhas. A paixão que é só de nós os dois.
Entramos no restaurante.
Enquanto procuras uma mesa para dois, eu perco-me naquele ambiente.
Pequeno, quente.
O escuro da noite de Agosto parece ter irrompido pela porta e conquistado também o interior desta casa.
Os candeeiros na parede e as velas nas mesas dançam com a noite e dão-lhe um tom ainda mais apaixonado, reflectindo apenas o fogo nas paredes.
No ar, ouve-se Gardel. Numa das paredes, fotos do artista não deixam duvidar que este é um espaço que não quer ser Lisboa, mas sim Buenos Aires.
Ao lado da janela, suspensa, uma cadeira invertida domina o espaço. Domina-me a mim. Memória de um café boémio de outros tempos, de tempos em que homens seduziam e mulheres eram arrebatadas e levadas a voar ao compasso de sons que espelhavam essa aura, esta cadeira preside à noite.
Será ela a metáfora da subversão da ordem e do aceitável? Será ela simplesmente desconcertante? Não o sei.
Dão-nos uma mesa perto da porta. Como se soubessem o que escondemos, escolheram, cúmplices, a mesinha em que inevitavelmente as nossas pernas se tocam… Esse toque electrizante que pede mais. Muito mais.
Gardel, calor, vinho, paixão, o vestido preto, a cadeira invertida, vermelho. São estas as notas que pautam a nossa melodia esta noite.
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Depois do jantar, descemos a rua. Lá atrás, nas Escadinhas, ficou a promessa de um regresso breve, ainda ao sabor do Verão, talvez… A promessa de viver esta paixão até à exaustão. A promessa firmada.
Páras. Páras-me. Agarras-me e beijas-me. O segredo esfumou-se ali, sobre a calçada, sob o céu negro, à entrada do Largo. Acabas de selar a promessa de que esta paixão ficará a pairar no nosso ar para todo o sempre.
A noite é já pequena para nós. Levas-me dali, para onde esta paixão pode enfim explodir…
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Para o desafio de Maio,
subordinado ao tema Paixão
Foto: Café Buenos Aires, por Andreia Tavares
E tudo está bem quando "acaba" bem. :p
ResponderEliminarMuito bonito*
*
Gostei. Bem conduzido, como num tango.
ResponderEliminarconcordo com estes dois aqui de cima... que retiraram as palavras da minha boca... o que não é nada ortodoxo!
ResponderEliminarObrigada aos três!
ResponderEliminarJohnny:A mim também não parece nada bem que te tirem as palavras da boca! ;)
Fantástico! bjs
ResponderEliminarA paixão aqui é algo que queima à superfície do texto. Parece que podemos sentir a dança inebriante da noite.
ResponderEliminarE quanto é quente o avançar das frases, esse roçar de sentidos...
Empolguei-me de umas voltas na mente, bebi até última gota disso.
Gostei muito.
Apaixonante.
Beijos.
Ricardo Fabião.