Terminei de ler neste últimos dias
As Cidades Invisíveis de Italo Calvino e claro que não poderia deixar de escrever aqui alguma coisa sobre este pequeno livro que tanto me encantou....
Uma cidade ao amanhecer... uma cidade na pausa para o café... uma cidade numa noite de insónia... uma cidade para fugir do cansaço... uma cidade para atenuar o dia cinzento... uma cidade para fazer brilhar ainda mais o sol...
Foi assim que me foram acompanhando neste dias as cidades da mente de Marco Polo, assim como as reflexões entre este e o seu senhor, o grande imperador Kublai Kan, acerca das maravilhosas descrições magicadas pelo primeiro (serão elas reais ou meras fábulas para agradar o seu imperador?). E tudo isto foi sempre tendo sobre mim o curioso efeito de desviar a minha mente e pô-la a reflectir em coisas totalmente afastadas da realidade e do quotidiano...
Das tantas passagens que registei como favoritas, deixo-vos aqui agora uma que, já em retrospectiva, se aplica muito bem aos meus pensamentos dos últimos dias... em que, vagueando por aqui, me vou dando conta que me vou afastando cada vez mais da realidade em nome deste mundo virtual... que a dada altura já não sei qual sinto mais real... por vezes penso que conheço melhor os que por aqui encontro, com cujas opiniões me identifico indizivelmente, do que aqueles que me rodeiam fisicamente...
Afinal qual é a realidade?
A palpável ou a que existe no vácuo do ciberespaço?
A que o nosso inconsciente alimenta?
Onde é que existo realmente?
Tenho medo de vir a descobrir que,
afinal,
não existo em nenhuma das duas...
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Enquanto Marco Polo e Kublai Kan reflectem sobre a verosimilhança das cidades descritas pelo primeiro e sobre a sua própria existência...
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Polo: Talvez este jardim só exponha os seus terraços para o
lago da nossa mente…
Kublai: E por mais longe que nos levem as nossas atribuladas empresas de guerreiros e de mercadores, ambos guardamos dentro de nós esta sombra silenciosa, esta conversa pausada, esta noite sempre igual.
Polo: A menos que se dê a hipótese oposta: de os que se afadigam nos acampamentos e nos portos
só existem porque pensamos neles nós os dois, encerrados entre estas sebes de bambu, imóveis desde sempre.
(…)
Kublai: Para dizer a verdade,
eu nunca penso neles.
Polo:
Então não existem.
Kublai: Essa conjectura não me parece que nos convenha. Sem eles nunca poderíamos ficar a balançar encasulados nas nossas camas de rede.
Polo: Então a hipótese é de excluir. Portanto, será verdadeira a outra:
de que existem eles e não nós. Kublai: Assim demonstrámos que,
se nós existíssemos, não existiríamos.