30 de março de 2011

Opostos

Da chama intermitente da vela sobe um fio de luz que trespassa o vermelho escuro do vinho no copo e termina numa linha ténue que se desenha na minha mão. Os dedos vão acariciando distraidamente o pé do copo. Notas de jazz ecoam pela sala. O calor emana deste espaço fechado e quente, um refúgio nesta noite ainda fria dos primeiros dias da Primavera.

Não sei como vim aqui parar. Não sei por que artes acabei por me encontrar sentada neste espaço acolhedor, partilhando uma mesa com este rosto inesperado, depois de um passeio a passo incerto mas despreocupado pelas ruas de Alfama. A cada passo que dou sobre a calçada desta cidade fico mais encantada por ir conhecendo mais um e outro dos seus encantos.



Aqui, sentada à meia luz enquanto se entrecruzam em mim sentidos em notas de som e sabor, o olhar suspenso ao fundo, olha para a banda mas vê palavras. Palavras ditas instantes atrás por entre sorrisos e recordações: 

“Sabes que estamos em pólos totalmente opostos?” 

Sei, sei bem. Revivem-se as linhas do passado. Eu, a menina recatada e responsável. Tu, o enfant terrible e cabeça de vento. Eu refugiava-me nos livros. Tu na guitarra. E o que mudou entretanto? Muito pouco além dos anos e das experiências. E contudo aqui, ao som desta música introspectiva e tão viva ao mesmo tempo, dois pólos opostos sentam-se lado a lado, conversam naturalmente, em pé de igualdade e sintonia, e relembram dois miúdos que embirravam um com outro e que hoje já mal conseguem reconhecer em si próprios.

Serão as diferenças que se diluem com o tempo? Ou estarão os opostos destinados a reencontrar-se uma e outra vez ao longo dos seus percursos?...

28 de março de 2011

Facebookês ou para quê complicar?!

Bem vistas as coisas, 
dá realmente uma grande trabalheira dar uso ao hífen...
e às vírgulas...
para quê complicar?...



Bem vistas as coisas,
são piroseiras...
para quê complicar?...


24 de março de 2011

Traduzir

Como tradutor literário, senti-me menos fantasmal do que como intérprete. Tinha que tomar decisões, explorar o espanhol em busca de cambiantes e cadências que correspondessem às subtilezas e esbatimentos semânticos (…) e também às sumptuosidades retóricas da língua literária russa. Um verdadeiro prazer.
Quando, uns tempos depois, me chegaram exemplares da antologia, ofereci um deles, com dedicatória, a Salomón Toledano. (...) 
- O teu ganha-pão está em perigo - advertiu-me. - Um tradutor literário é um aspirante a escritor, quer dizer, quase sempre, um plumitivo frustrado. Alguém que nunca se resignaria a desaparecer no seu ofício como nós, os bons intérpretes, fazemos. Não renuncies à tua condição de cavalheiro inexistente, meu caro, a não ser que queiras acabar como clochard.
Mario Vargas Llosa,
Travessuras da Menina Má


Tantas vezes que falei sobre este assunto com a B., ela sim tradutora literária, e tantas vezes ela foi o meu Salomón Toledano: não queiras vir para a tradução literária, deixa-te estar onde estás que estás bem!

Mas eu sou bem mais como Ricardo, o protagonista de Llosa: 'menina boa' como ele é 'menino bom' (mas isso é história para outro dia...), não intérprete, mas tradutora técnica (o que me coloca precisamente na situação de desaparecer no meu ofício, porque se pressupõe que o texto seja tão objectivo e 'limpo de estilo' quanto possível).      

Após uma primeira incursão no mundo da tradução já não técnica, mas ainda não totalmente literária, reconheço na perfeição a busca pela interpretação certa dos devaneios linguísticos do autor e o esforço para encontrar um equivalente semântico em intensidade e sentido no nosso português! E é isso que faz do meu trabalho um prazer! É isso que me faz puxar pela cabeça, que me consome mais tempo, que me dá liberdade para produzir, criar, para além da mera transposição de língua para língua!

Diria que sou demasiado sensata (ou pelo menos o espero!) para me deixar tornar uma clocharde, mas sei que preciso de ver a minha vida profissional temperada pela literatura para sentir que, de alguma forma, estou a criar. 

Imagem daqui

19 de março de 2011

A todos os que ficam 'azuis' por eu me atrasar ao fim-de-semana...

Not just late...

Obrigada P. (e obrigada ao N.)!
Como é que eu nunca tinha pensado nisto?!

Quero uma t-shirt com isto estampado!

14 de março de 2011

Este fim-de-semana...


... vi pela primeira vez o meu nome indicado como tradutora na ficha técnica de um livro

... pediram-me autógrafos (foram os meus amigos, vá!)

... recebi muitos abraços e fiquei rouca de tanto rir (ou talvez por ter bebido uma garrafa de água gelada à meia-noite)

... disse a uma amiga: Tu podes até ler o Mein Kampf, mas promete-me que não vais mudar!

... reencontrei um rosto muito querido dos tempos da faculdade e fiquei com uma enorme vontade de voltar atrás no tempo

... andei por Lisboa a pé, sob chuviscos e cheia de dores musculares e soube-me bem assim mesmo

... ganhei uma garrafa de vinho num sorteio

... regressei ao teatro e fiquei arrepiada com a representação

... voei pela auto-estrada fora, no fim da noite, para marcar presença na festa de despedida de uma grande grande amiga

... encostei a cabeça na almofada e adormeci a pedir que dias como estes se repitam over and over...

9 de março de 2011

Nunca não existe

Observo-a pelo canto do olho enquanto conduzo por estas ruas que sempre nos foram familiares. Lentamente vai escorregando pelo assento ao meu lado, até que o seu rosto fica alinhado com a linha do vidro. As mãos escondidas naquele cruzar de braços que denuncia defesa. Esconde-se agora atrás de gestos assim. Defesas. Barreiras. Silêncios. Muralhas que impedem novos assaltos. Fossos que a protegem do mal, mas que também a separam do bem que ansiamos por dar-lhe.

Fala pouco. Só aos poucos recomeçou a falar, depois do sucedido. Incitá-la a que o faça não adianta. Fecha-se mais. Resta-nos aguardar que seja ela a querê-lo. E eventualmente acontece. Como hoje, enquanto passamos pelo jardim onde já foi tão feliz, mas onde também se deparou um dia com o medo, a atrocidade e a violência.

- E pensar que me gabava tanto de andar por aqui sem que nunca me tenha acontecido nada… Nunca não existe. E eu devia saber disso.

Ouço-a impotente, sem saber o que dizer. A minha mão deixa o volante e caminha até ao seu cabelo. Apenas uma carícia suave e lenta. A minha voz silenciosa para a apaziguar. As palavras não preenchem a resposta de que ela necessita. As palavras não anulam o trauma que aquele escuro fim de tarde deixou em si. Encontraram-na inconsciente, as roupas despedaçadas, não mais do que farrapo humano. Assim a achou o guarda-nocturno quando a sua ronda o levou até ali. A maldita ronda que não passou por ali precisamente no momento em que ela precisou de protecção! Encontrou-a depois de tudo...

O percurso era o de sempre. A hora também. Final de tarde, final de expediente, regresso a casa. E a confiança também era a de sempre. Assim como a confiança e o calculismo dos que lhe observaram os passos e aguardaram pelo momento certo… pelo momento errado! O momento que levou o viço e a alegria de viver que emanavam dela. Nunca os apanharam. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu. Ela não fala. Fecha-se num silêncio intransponível, como se isso atenuasse a dor, um gesto em nome de um esquecimento voluntário.

Pela janela do carro que lhe emoldura o rosto fechado, perscruta o jardim quando passamos por ele se o nosso caminho não permite evitá-lo. Parece ausente o seu olhar, parecem distantes e frias as palavras como estas que acaba de lançar. E no entanto sei que lá dentro a recordação negra continua viva, tão viva…
Pudera eu dar-lhe amnésia e trazê-la de regresso dos dias antes de…

Imagem:
Out the window, Michal Besser
Retirada daqui



Para o desafio de Março,
com o tema Violência

AHHHHHH!!!!! :D

E não é que vais mesmo?!!
Ainda estou a processar, mas...
estou tão feliz por ti!

Venham revoluções!
Que se levante a poeira toda,
que quando ela assentar,
a paisagem ficará diferente!

Gosto muito de ti!

8 de março de 2011

Quando o elástico perde a flexibilidade

Em hora sã 
hei-de pôr termo ao que só me traz cansaço*

******

Há pouco, depois de ter recusado um convite, quem ouviu a recusa constatou que eu estou mais inflexível e menos disposta a ceder do que antes…

Sou totalmente a favor de que se cometam erros e que se aprenda com os mesmos. Da mesma forma que sou totalmente contra voltar a provar da mesma fruta depois de já ter sentido um dia o amargo de boca e o mal-estar que fica depois. Aprender a lição (da pior forma, por vezes) e voltar a fazer o mesmo é sinal de ingenuidade e, pior do que isso, de estupidez!

Sempre tive uma enorme predisposição para dar segundas oportunidades, voltar a tentar, esquecer e recomeçar, mas essa é uma flexibilidade que aos poucos se vai perdendo. Como a perde a lycra daquele biquíni preferido, ao fim de muitos mergulhos no mar. Como a perde a pele do nosso rosto ao fim de uns quantos anos. E assim também a flexibilidade para se ceder se vai perdendo com o uso e com a idade.

E pois que neste momento me recuso a ceder e colocar-me em situações que, no fim do dia, levam outros de volta a casa tranquilos e sorridentes ao passo que a mim me empurram de regresso à minha, ainda mais triste e desiludida do que saí.

Fará isso de mim uma solitária? Possivelmente. Mas não serei uma solitária estúpida que se deixa importunar por quem já não o merece. Solitária sim, mas não uma solitária desprezada ou abandonada.



*[Márcia ~ Cabra Cega]


Se não baixo as armas nunca? Nunca não! Mas cada vez menos. De cada vez que as baixo, alguém passa por elas e chuta-as para longe. E depois a caminhada para as recuperar é demasiado longa e dura… E sou eu que tenho de a percorrer… 

4 de março de 2011

It takes an ocean
not to break...

1 de março de 2011

Step up


E toca a regressar aos degrauzinhos, ao fim de tanto tempo, que está na hora de me mexer!

E a A (a professora) regressou também, um mês depois do nascimento do pequeno Gui, com uma forma invejável para quem acaba de ser mãe, e absolutamente disposta a dar cabo de nós!

Bolas que estou estoirada! 
E bolas que sabe tão bem!